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Foto do escritorAna Luiza Feitosa

A gestão de Carlos França frente à chancelaria brasileira mudou ou não a política externa?


Esq-dir: Presidente Jair Bolsonaro e Ministro das Relações Exteriores Carlos França


Em 18 de julho de 2022, no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro se reuniu com dezenas de embaixadores de países com embaixadas em Brasília com o intuito de atacar as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro. Adicionalmente, Bolsonaro fez críticas diretas a três membros do Supremo Tribunal Federal. E, para fechar o evento com chave de ouro, apresentou um power point que continha um erro de ortografia de uma palavra em língua inglesa. O Itamaraty, admitindo ou não, fez o convite aos embaixadores assim como se certificou de suas respectivas presenças. Carlos França esteve presente no evento.


Começaram então as críticas e as indagações. Por que o chanceler Carlos França se presta a desempenhar este papel? Ele não chegou à Chancelaria para trazer de volta a política externa à normalidade, aos padrões do Itamaraty?

Em sua chegada à presidência em 2019, rompendo com uma tradição de continuidade, Bolsonaro estruturou uma nova política externa, baseada em novas ideias, formas de ver o mundo e parcerias colocando em xeque os padrões que haviam norteado a inserção internacional do Brasil por um longo período. Os temas da política externa de Bolsonaro, em muitos casos, buscavam atender demandas de grupos específicos que o haviam apoiado na campanha eleitoral, minimizando a centralidade decisória do Ministério de Relações Exteriores. A formulação e a implementação da política externa refletiram crescente fragmentação do processo decisório e divergência de interesses entre diferentes atores que compunham a base de apoio governamental. Houve mudanças na definição de aliados e adversários com impactos nos universos bilateral, regional e multilateral.


O ex-chanceler Ernesto Araújo, que representava a ala negacionista do governo e personificava conflitos com parceiros externos, descrevia a civilização ocidental como um conjunto de ideias tradicionais que correriam risco de desaparecer por conta de determinados projetos de poder orientados pelo aparato burocrático das instituições multilaterais. E indicava uma política externa com base no antiglobalismo, no conservadorismo religioso e no anticomunismo. O Brasil era apresentado como uma nação ocidental (de um Ocidente superado no passado), cristã e soberanista. Como se, junto com o presidente, o chanceler buscasse reformular a identidade externa do país, consolidada desde a democratização.


Mas nem tudo foi fácil. O governo de Jair Bolsonaro iniciou com dificuldades de gestão em função da fragmentação política; das dificuldades de compor uma base de apoio significativa no Congresso; dos embates entre a dimensão econômica liberal e um viés nacionalista; e da impossibilidade de separar o que é governo do que é plataforma política. No entanto, foi seu comportamento negacionista frente à pandemia que evidenciou (e exacerbou) seus limites.


Os avanços, no final de 2020, da segunda onda da pandemia foram objeto de crítica de políticos de oposição, cientistas e da sociedade civil. Alguns grupos apoiadores do presidente começaram a vocalizar insatisfação e o estancamento econômico, somado à inflação, começou a impactar no consumo de setores mais pobres da população. O presidente buscou então o apoio de grupos tradicionais no Legislativo. Conseguiu a eleição de novos líderes para as duas casas do Congresso e a formação de uma base parlamentar com partidos de perfil fisiológico que, historicamente, apoiaram a diversos governos anteriores sempre exigindo cargos nos ministérios e emendas parlamentares.


A economia não se recuperou do impacto da pandemia. Não retomou seu crescimento e a inflação de 2021 ultrapassou o índice de 10%. Em 2022 a taxa de juros subiu, ultrapassando os 12% ao ano. A aproximação das eleições presidenciais, marcadas para outubro de 2022, recebeu novos impulsos com a possibilidade da candidatura do ex-presidente Lula da Silva. Externamente, a eleição do democrata Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos fez com que o Brasil de Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo perdesse o principal parceiro e garante do antiglobalismo.


O Legislativo -incluindo a nova base de apoio do presidente- teve um papel importante na demissão de Ernesto Araújo do cargo; as tentativas de mudar a identidade externa do país esbarraram em resistências intransponíveis. Em março de 2021, depois de pressões por parte de parlamentares e de enfrentamento com senadores da República, o chanceler Ernesto Araújo deixou o cargo e foi substituído por Carlos França. Também embaixador de carreira, França trouxe o discurso diplomático para mais perto da tradição do Itamaraty, reduzindo pautas de atrito com parceiros tradicionais e buscando recuperar a centralidade do Itamaraty, assim como tornar o comportamento externo do Brasil mais previsível.


Essa tentativa de correção de rumos e “retorno à normalidade” esvaziou o peso do antiglobalismo e do conservadorismo nos discursos oficiais, mas não logrou trazer a política externa para os parâmetros anteriores do Itamaraty. Apesar do melhor diálogo com parceiros externos, as ideias-base das ações governamentais de política externa não foram mudadas.


Além de não evitar a reunião de Bolsonaro com os embaixadores, Carlos França não evitou as críticas de Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro em reunião com Joe Biden; nem conseguiu convencer o presidente a marcar presença na Cúpula do Mercosul, de julho de 2022. No que diz respeito à Guerra na Ucrânia, o voto brasileiro no Conselho de Segurança condenando a invasão não superou a neutralidade defendida por Bolsonaro depois de um encontro com Vladimir Putin. Os votos no Conselho de Direitos Humanos seguiram sendo pautados pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.


O furor e a impetuosidade negacionista de Ernesto Araújo saíram de cena, e o sonho presidencial de mudar a identidade externa do país foi abandonado. Mas a política externa ficou ambígua e sem foco. No seu perfil fragmentado, a corporação diplomática buscou separar-se das declarações presidenciais, trazendo à tona uma dualidade entre chancelaria e presidência que impactou nas ações de política externa. Na reunião no Palácio do Planalto os embaixadores ouviram em silêncio a apresentação de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro. O Itamaraty também ficou em silêncio. A inércia articulada a intentos do ministério de levar adiante uma política com muito baixo perfil até as eleições se tornaram a marca da gestão de Carlos França.


O próximo presidente e seu chanceler terão de juntar os cacos - e colar - da imagem estilhaçada do Brasil no exterior.


Por: Miriam Gomes Saraiva

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