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  • Foto do escritorCarolina da Silveira A.

Runasur: A proposta de Evo Morales da Unasur dos povos indígenas



Em novembro de 2020 Evo Morales propôs a RUNASUR como a “Unasur dos povos indígenas”, mistura do vocábulo quéchua “runa” que significa homens, pessoas ou povos com a palavra sul, “povos do sul”. Runasur é uma proposta de integração regional com algumas características novas a respeito dos anteriores exemplos de projetos que tem existido no regionalismo sul-americano. Em abril de 2021 se estabeleceram suas bases estruturais ideológicas e políticas em seu primeiro encontro em Cochabamba, Bolívia. Dessa reunião saiu um documento denominado como “O Decálogo de Runasur”, apresentado em agosto do mesmo ano e que senta as bases dos objetivos da proposta. A seguir vemos a gráfica de codificação das referências desse documento, as categorias analíticas são criadas em função de seu aparecimento no texto.



Vemos que existem assuntos tratados pelo documento oficial que não tem estado tradicionalmente nas agendas dos demais projetos de integração regional sulamericanos: o bem viver (Sumak Kawsay, em quéchua Suma Qamaña, em aymara) e os direitos da Pacha Mama, constituem formas alternativas de entender o desenvolvimento humano que se encontram presentes na Runasur. O bem viver, representa uma forma diferente de entender ao desenvolvimento que se dá em harmonia com a natureza (direitos da mãe terra) e com a comunidade. É um paradigma comunitário sustentado nas práticas cotidianas de respeito, equilibro e convivência com toda a vida, que se considera interconectada. Há, portanto, uma mudança em torno do sistema de produção e da ideia de desenvolvimento humano, que se alcançaria nessa relação de paz harmoniosa com a natureza. Enquanto há outros elementos ideológicos que já tinham precedentes de estar nas agendas de integração na região, como por exemplo a democracia, a justiça social e a autodeterminação dos povos.


A Runasur se diferencia das formas tradicionais que o regionalismo tem assumido ao longo da sua trajetória. Em primeiro lugar, porque parte de uma reivindicação não nacional da vocação integracionista sul-americana, sendo os povos originários sujeitos ativos e principais atores da proposta, e, por isso, não são representados nacionalmente e sim plurinacionalmente. Há uma ressignificação do papel dos atores da sociedade civil, em tanto sujeitos e cidadãos (cidadãs) protagonistas da integração que é inédita.

Nesse sentido, os atores da Runasur representam a dimensão de regionness (regionalidade) já que há maior participação e demandas por governança regional desde a sociedade civil ao Estado, a diferencia dos regionalismos promovidos desde a esfera intergovernamental (Saraiva e Granja, 2019).

A reivindicação da plurinacionalidade é outro elemento inovador da proposta. Coloca um desafio ao Estado como ator central dos regionalismos latino-americanos, que tradicionalmente tinham na intergovernamentalidade em função de sua representatividade nacional, sua conformação de acionar conjunto ou coletivo. Além disso, Runasur constitui uma novidade também na forma em que é concebido o bemestar coletivo (Buen Vivir) e a integração dos povos de forma solidária e contra hegemônica.


Elementos ideológicos como anticapitalismo, antipatriarcalismo e decolonização que se encontram tanto no Decálogo de Runasur, quanto nos seus documentos oficiais emanados dos diferentes encontros, constituem aspectos contra hegemônicos mais claramente identificados em ideias (decálogo) e ações (diferentes documentos nos que tem se pronunciado). Estes elementos desafiam à forma tradicional de regionalismo que temos visto construir na América Latina ao longo do tempo.


O acionar coletivo dos atores da Runasur se configura contra hegemônico, se vemos a análise de conteúdo dos diferentes comunicados oficiais que tem se feito em ocasião dos encontros verificamos vários elementos que representam tais ideais. Alguns exemplos são o comunicado de condenação das intervenções estadunidenses na Nicarágua de novembro de 2021; o de denúncia do golpe de Estado no Peru feito em abril de 2022; e o de denúncia da detenção arbitrária do presidente da Confederação de Comunidades Indígenas do Equador em junho de 2022. Na seguinte imagem encontrase a linha do tempo em que o acionar da Runasur tem se constituído desde sua criação.


O discurso anti-imperialista, anticapitalista e decolonial também estava presente na Alternativa Bolivariana para as Américas, posteriormente Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA - TCP), mas a regionalização planteada pela Runasur tem maior participação de atores da sociedade civil, como sindicatos e movimentos sociais, sendo as comunidades indígenas as protagonistas de todo o processo. Na ALBA, por sua vez, estava mais perto da representação tradicional por partidos políticos, com alicerce na nacionalidade ou no Estado Nacional.


A criação de RUNASUR está marcada pelo contexto de crise do regionalismo sulamericano, com divergências ideológico-políticas entre os governos. Nos últimos anos temos visto que, em função da convergência ou divergência ideológica intergovernamental, tem sido (des)montados os projetos de PROSUR e UNASUR, respetivamente. Apesar de seu curto tempo de vida, e das incertezas do contexto do regionalismo na atualidade, a Runasur tem logrado montar e manter uma certa capacidade institucional, embora não demonstrada efetivamente. Dado que o elemento da intergovernabilidade está ausente, já que os Estados não são atores centrais, Runasur, serviria como um ponto de pressão local e global interessante para demandar e construir a governança regional. Uma instituição que promove a integração dos povos através de atores não tradicionais é nova na região sul-americana. Os atores participantes podem depositar na instituição seus desejos, expectativas e demandas e, através da ação coletiva internacional, poderiam interferir nas decisões governamentais nacionalmente representadas.


Autoras: Lorena Granja Hernández, Ana Lúcia Lacerda Gonçalves e Astrid Aguilera Cazalbón - Pesquisadoras do PPGRI-UERJ

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