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O preço de uma política externa perdida e incongruente em meio à pandemia

Atualizado: 31 de jul. de 2020

Por Miriam Gomes Saraiva e Paulo Afonso Velasco

Texto publicado no jornal Folha de S. Paulo (20 jun. 2020)


A postura errática e inconsequente do governo brasileiro traz perdas significativas em

termos da inserção internacional. A primeira delas é o isolamento do Brasil no mundo: a

política externa de Jair Bolsonaro vem sucessivamente minando os laços e a confiança

mútua construídos historicamente pela diplomacia brasileira com diferentes parceiros.

Desde 2019, o país se afastou dos vizinhos e da América Latina em geral e abandonou

os projetos de cooperação sul-sul, notadamente com países africanos. Com a China,

alterna ações positivas no campo de comércio e investimentos com agressões oficiais

desnecessárias.


"A adoção de posições míopes e tacanhas em momento tão crítico trará consequências duradouras que, no mundo pós-pandemia, significarão a redução dos espaços e das oportunidades para o Brasil."

Em relação aos países europeus (e à União Europeia, apesar do acordo) criou atritos

com a França, a Alemanha e a Noruega em particular, e tem se afastado desses países

nas votações em organismos internacionais. Os votos brasileiros têm estado em

consonância com uma absoluta minoria composta por países sob governos

ultranacionalistas e até de extrema direita.


A escolha por parte da dupla Ernesto Araújo-Eduardo Bolsonaro dos parceiros a serem

cultivados se baseia nos governos e não nos Estados propriamente - algo muito

arriscado, pois as parcerias externas se dão no longo prazo, e os governos são

transitórios. Em termos diplomáticos, isso mina profundamente a imagem da

diplomacia brasileira em face de atores externos.


Também como consequência negativa, está a diminuição do alcance e visibilidade do

país sobre as distintas agendas da política internacional. Historicamente, de diferentes

formas, o Brasil apresentou-se como um ator que intermediava o Norte com o Sul,

desempenhando a função de “país ponte”. Através de diversas táticas, exercia um papel

de formulador e/ou aglutinador de ideias em organizações multilaterais. Embora esse

comportamento viesse já se perdendo nos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel

Temer (MDB), era mais como uma retração temporária. Com Bolsonaro está havendo

um claro abandono desse papel. Os votos negacionistas e minoritários nas instituições das Nações Unidas abalam a confiança no Brasil e minam a sua tradicional postura de

articulador de consensos. A atuação na Conferência do Clima de Madrid, em dezembro

de 2019, quase bloqueando um acordo final, certamente será lembrada.


No contexto da pandemia, o governo brasileiro não tem conseguido atender às

demandas domésticas por insumos médicos para afrontar a doença. Apesar das

dificuldades vivenciadas por todos os países em termos gerais, o Brasil não conta com a

boa vontade de nenhum parceiro. A China não concede nenhuma facilidade para a

transferência (ou mesmo venda pura e simples) de material de combate à pandemia. O

suposto aliado principal, os Estados Unidos, tem um governo orientado para os

interesses próprios e já bloqueou o envio de respiradores comprados da China para o

Brasil. A propagada aliança é de mão única, do presidente Bolsonaro para fora.

Países vizinhos demonstram preocupação com a expansão do coronavírus no Brasil e

buscam dar as costas. Na crise sanitária, o país está sem rumo, sem aliados e sem

interlocutores, sob um governo que despreza as velhas tradições de política externa e se

afasta de iniciativas multilaterais para enfrentar a pandemia.


O chanceler que suceder a Ernesto Araújo terá um enorme trabalho para recompor as

relações do Brasil com diversos parceiros e para resgatar a credibilidade do país nas

organizações internacionais.


A adoção de posições míopes e tacanhas em momento tão crítico trará consequências

duradouras que, no mundo pós-pandemia, significarão a redução dos espaços e das

oportunidades para o Brasil.


Não se trata mais apenas de uma ênfase ideológica no Itamaraty, mas de uma política

externa que atenta contra os interesses do país, queimando pontes que demoraram

décadas para serem construídas.

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* Miriam Gomes Saraiva é Professora Titular de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: miriamsaraiva@uerj.br

** Paulo Afonso Velasco é Professor Adjunto de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: paulo.velasco@uerj.br


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